Probióticos em Gastrenterologia: indispensáveis ou um longo caminho a percorrer?

Nos últimos anos os probióticos têm ganho popularidade para o tratamento de um grande número de doenças, especialmente no foro da gastrenterologia.

O termo probiótico deriva do Grego e traduz-se para “pró-vida”.
Já utilizamos probióticos na Medicina há mais de 100 anos!

O primeiro probiótico (a bactéria E. coli Nissle 1917) foi utilizada em 1917.

Existem no mercado português múltiplos probióticos de diferentes marcas e com diferentes composições, tornando-se muito difícil discernir qual o mais adequado para uma determinada doença.

A investigação crescente na microbiota intestinal e do seu papel em múltiplas patologias (não exclusivamente do foro da gastrenterologia) tem levantado a possibilidade de controlar algumas doenças com a alteração da flora intestinal.

O trato gastrointestinal normal alberga mais de 500 diferentes espécies de bactérias e um conjunto de vírus (viroma) ainda mal investigados. Esta microbiota funciona como um verdadeiro biorreactor, facilitando a digestão, o fabrico de vários nutrientes e estimulando/moldando o nosso sistema imunitário.

Contudo, ainda muitas dúvidas existem sobre os verdadeiros benefícios e a correta forma de utilização dos probióticos.

O que são probióticos?

Probióticos, por definição, são microrganismos vivos que conferem um benefício à saúde do hospedeiro, numa certa quantidade.

São considerados suplementos alimentares e, por isso, são de venda livre. Esta situação tem vantagens (acesso fácil pela população) mas também tem a desvantagem de não ter protocolos de estudo ou de vigilância tão restritos como os medicamentos propriamente ditos.

Em oposição, antibióticos são substâncias que pretendem matar ou inibir o crescimento das bactérias.

Pré e próbióticos são a mesma coisa?

Pré e probióticos não são a mesma coisa!

Um prebiótico é uma substancia alimentar que provoca alterações específicas na composição e/ou atividade da microbiota intestinal.

Simbióticos por sua vez são produtos que contêm tanto pré como probióticos.

Exemplos de alimentos prebióticos são o alho, a cebola, a linhaça, entre muitos outros.

Os probióticos actuam por vários mecanismos diferentes?

O mecanismo de funcionamento da maioria dos probióticos é difícil de elucidar, mas na sua globalidade, têm as seguintes funções:

• Suprimem o crescimento e adesão/invasão de bactérias patogénicas
• Melhoram a barreira epitelial intestinal
• Conseguem modular o nosso sistema imunitário
• Conseguem modular a perceção da dor

Os probióticos são todos iguais por isso é indiferente qual se toma?

Um dos pontos chave que as pessoas (e os médicos) têm que compreender é que nem todos os probióticos são iguais e nem todos devem ser usados para tratar qualquer doença gastrointestinal uma vez que há particularidades de alguns probióticos que os fazem atuar melhor que outros em doenças específicas.

Os estudos efectuados com os probióticos são fáceis de interpretar?

A utilização dos probióticos na Gastrenterologia tem sido um campo de extensa e intensa investigação, muitas vezes com resultados contraditórios e difíceis de analisar.

Como referi anteriormente, são suplementos alimentares, o que faz com que muitos dos ensaios clínicos efetuados com probióticos não seguem as mesmas regras estritas que os fármacos de prescrição médica seguem antes de entrarem no mercado.

Há doenças que podem beneficiar com a toma de probióticos?

Claro que sim!

Há já provas suficientes em várias doenças que os probióticos podem ter um papel fundamental:

Gastroenterites infeciosas: está provado que a toma de probióticos encurta a duração dos sintomas (especialmente probióticos com a bactéria Lactobacillus rhamnosus GG).

Colite ulcerosa e “bolsite” (inflamação depois da formação duma bolsa no reto após cirurgia ao intestino grosso): especialmente para esta segunda doença, há já provas muito convincentes que um probiótico específico (VSL#3) consegue controlar a inflamação associada a estas doenças. O mecanismo pelo qual isto acontece é ainda largamente desconhecido.

Síndrome do Intestino Irritável: apesar de alguma controvérsia, vários probióticos parecem ter benefício no controlo de alguns sintomas, nomeadamente distensão abdominal e consistência das fezes.

Diarreia associada aos antibióticos/Colite por C. difficile: cerca de 20% dos doentes que tomam um antibiótico vão ter alguma forma de diarreia associada à toma dos mesmos. A utilização de um probiótico diminui a probabilidade de se ter esta complicação.

Tratamento do Helicobacter pylori: vários estudos demonstraram um aumento da erradicação quando se associava um probiótico, provavelmente por melhor tolerância ao tratamento (menos diarreia associada aos antibióticos).

Múltiplas outras doenças estudadas como a Doença de Crohn, diverticulose cólica, enteropatia por AINEs, pancreatite, encefalopatia hepática entre muitas outras, nunca demonstraram beneficiar da toma de probióticos.

Vale a pena fazer um probiótico sempre que se toma um antibiótico?

Provavelmente não!

Apesar de diminuir a probabilidade de diarreia associada aos antibióticos, apenas 20% das pessoas têm este efeito lateral, o que implica que podemos estar a imputar um gasto desnecessário às pessoas sem qualquer benefício.

Contudo, há sempre que ponderar a sua toma (especialmente em doentes de maior risco), uma vez que são suplementos inócuos na sua grande maioria, com potenciais benefícios.

O tempo que se toma o probiótico é indiferente?

É uma excelente pergunta, com uma resposta muito complexa.

Em resumo, depende do motivo pelo qual administramos o probiótico, uma vez que este só funciona enquanto as pessoas o tomam e perdem a sua ação muito pouco tempo após parar de os tomar.

Assim, para situações agudas como gastroenterites infeciosas ou diarreia associadas aos antibióticos dever-se-ão fazer ciclos curtos, enquanto os sintomas persistirem ou estiver a tomar antibióticos.

Para outras patologias como o controlo dos sintomas do intestino irritável ou nas doenças inflamatórias intestinais, o tempo de toma deve ser mais prolongado, mas ainda desconhecemos o tempo ideal de toma.

Os probióticos são inócuos?

Os probióticos são, na sua generalidade, muito seguros e daí serem considerados suplementos alimentares e serem de venda livre, não necessitando de receita médica.

Podem ser tomados pela grande maioria das pessoas, senso seguros mesmo na idade pediátrica ou geriátrica.

Contudo, temos que nos lembrar que estamos a oferecer bactérias vivas às pessoas.

Em pessoas sem problemas graves de saúde o nosso corpo consegue utilizar essas bactérias “boas” e impedir que elas se tornem patogénicas.

Contudo em doentes debilitados, especialmente nos doentes internados, devem ser utilizados com precaução uma vez que já foram reportados centenas de casos de infeção pelos probióticos.

Quais são as tendências futuras no campo dos probióticos?

Ainda temos muito a aprender sobre a correta utilização dos probióticos.

A crescente investigação na área da microbiota intestinal e da sua relação com múltiplas doenças lançou um foco sobre a possível utilização terapêutica dos probióticos, mas este entusiasmo ultrapassou largamente o conhecimento que ainda temos sobre este assunto.

Ainda há muitas questões por resolver, tais como:

• Qual a dose, duração e estirpe de probiótico mais adequada a que doenças?


• Há o risco de disbiose (alteração permanente da flora intestinal do doente)?


• Temos que ter melhores estudos nesta área, com os mesmos protocolos que se utilizam para os fármacos!


• A microbiota intestinal muda com a idade: será que deveríamos utilizar probióticos diferentes para diferentes faixas etárias?

Mas este é um campo entusiasmante na Medicina em geral e na Gastrenterologia em particular!

No futuro saberemos melhor como alterar a nossa microbiota de forma a melhorar/tratar várias doenças e é natural que os probióticos tenham um papel fundamental nesse aspeto.


Pode descobrir mais sobre este tema na minha participação televisiva no Porto Canal e num vídeo sobre este tema.