Obstipação – Um diagnóstico fácil para um tratamento por vezes difícil

O que é a obstipação?

Não é uma pergunta fácil, uma vez que há uma subjetividade grande associada aos sintomas de obstipação.

Regra geral é considerado trânsito intestinal “normal” quando se tem dejeções entre 3 vezes por dia até 3 vezes por semana. Mas muitas pessoas que se enquadram nesta “regra” queixam-se frequentemente de serem obstipadas.


O diagnóstico é clínico e foi delineado por diretrizes internacionais denominadas Roma IV:

Sintomas sugestivos de obstipação durante 3 meses com início nos últimos seis meses


• Ausência de sinais de alarme como hemorragia digestiva, anemia, história familiar de cancro colorretal, etc.


Tem de incluir pelos menos dois dos seguintes sintomas
o Esforço defecatório
o Fezes duras ou “cibaladas”
o Sensação de evacuação incompleta
o Sensação de obstrução à dejeção
o Recurso à digitação para a extração de fezes da ampola rectal
o < 3 dejeções por semana


Tem que obrigatoriamente:
o Ter passagem muito esporádica de fezes moles
o Não cumprir os critérios para outras doenças funcionais do tubo digestivo como o intestino irritável

Resumindo, apesar de por vezes parecer óbvio, o diagnóstico da obstipação não é linear!

A obstipação é frequente?

A obstipação é um sintoma muito frequente em toda a população mundial, afetando cerca de 2-28% da população.


Contudo, como a maioria das pessoas tem sintomas intermitentes, não procuram ajuda médica. Aliás, apenas cerca de 4% das pessoas obstipadas procuram um Gastrenterologista.

Quais são os “fatores de risco” para a obstipação?

A obstipação pode ocorrer em qualquer idade, em qualquer pessoa!

Contudo, é mais frequente nos seguintes casos:


• Sexo feminino
• Idade avançada
• Escolaridade básica
• Sedentárias
• Baixo nível socioeconómico
• Raça negra
• Pessoas que tomam certos medicamentos (medicamentos para o Parkinson, antipsicóticos, antiespasmódicos, antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes, antagonistas dos canais de cálcio, diuréticos, anti-inflamatórios, opióides, etc.).

Só há um tipo de obstipação?

Não! Infelizmente há vários tipos de obstipação, por vezes com tratamentos distintos e em alguns casos de diagnóstico difícil.


Simplificando, há dois grandes grupos de obstipação, cada um com “subgrupos”:


Obstipação primária/funcional
o Obstipação com tempo de trânsito normal
o Obstipação com tempo de trânsito demorado
o Discinésia do pavimento pélvico (também conhecida por obstrução à defecação, anismo, síndrome do períneo descido, etc.)


Obstipação secundária
o Obstrução mecânica: estenose (aperto) anal, cancro colorretal, etc.
o Medicamentosa
o Metabólica: Diabetes, hipo ou hipertiroidismo, etc.
o Neurológica: Esclerose múltipla, Parkinson, pós-AVC, etc.

São sempre precisos muitos exames para diagnosticar a obstipação? Em que situações precisamos de fazer mais exames?

Na grande maioria dos casos não são precisos muitos exames para diagnosticar a obstipação, uma vez que, como vimos anteriormente, o diagnóstico é clínico!

Uma história clínica cuidada e um exame físico detalhado é muitas vezes o necessário


Contudo, há situações em que se torna indispensável a realização de mais exames:


Início de obstipação após os 50 anos e/ou com emissão de sangue nas fezes e/ou com história familiar de cancro colorretal implica e realização de colonoscopia
o É fácil “culpar” as hemorroidas por um eventual sangramento, mas os cancros também podem sangrar intermitentemente, tal como as hemorroidas…
o É de suma importância descartar uma patologia orgânica em qualquer doente que apresente sinais/sintomas “suspeitos” de doença mais grave”.


Doentes que não melhoram após as medidas terapêuticas iniciais
o A maioria dos doentes melhora após a instituição das medidas terapêuticas (como falaremos de seguida).
o A ausência de melhoria pode necessitar exclusão de causas secundárias (análises, colonoscopia, etc.) bem como a caracterização do tipo de obstipação através de outros exames mais específicos como o tempo de trânsito cólico, a manometria anorretal, a defecografia, entre outros.

Em que consiste o tratamento da obstipação?

Na grande maioria dos casos o tratamento é relativamente simples e envolve apenas modificação do estilo de vida:


Aumento da ingestão de fibras (que deve ser feito de forma gradual)
Aumento da ingestão de água
o O café, o chá e o álcool são diuréticos e por isso devem ser evitados!
o 1,5 – 2L de água por dia!
Adoção de um estilo de vida ativo, com realização de exercício

Contudo, em alguns casos estas medidas não são suficientes (ou são difíceis de adotar…) e é necessário recorrer a medicação.

MAS, estas são as medidas fundamentais para o tratamento da obstipação!!!

Quais os medicamentos disponíveis para o tratamento da obstipação?

Há múltiplos tipos de fármacos disponíveis e a grande maioria deles até é de venda livre!

Tentando simplificar, há os seguintes fármacos disponíveis:

• Suplementos de fibras
o O mais utilizado internacionalmente é o psílio (Mucofalk® em Portugal; pouco utilizado)
o Muitos comercializados em Portugal contêm igualmente laxantes de contacto e por isso não adequados a tratamentos prolongados.
o Bons resultados, mas limitados por alguns “efeitos laterais” como a distensão abdominal / gases
o Sementes muito utilizadas: Linhaça, goji, etc.

• Laxantes estimulantes/de contacto
o De venda livre e amplamente utilizados em Portugal como a Cascara sagrada, sene, bisacodilo
o Provocam tolerância e habituação pelo que são inadequados para tratamento prolongado da obstipação
o Efeitos laterais mais frequentes que os outros tratamentos
o Efeitos mais imediatos e por isso (erradamente) preferidos por muitos clínicos/doentes
o Muitos dos manipulados dietéticos têm sene ou cascara sagrada na sua composição, provocando uma habituação do tubo digestivo a estes compostos

• Laxantes osmóticos
o Os mais fisiológicos e adequados ao tratamento a longo prazo.
o Lactulose ou macrogol (PEG; este último mais eficaz)
o Não são absorvidos e por isso têm muito poucos efeitos laterais
o Tratamento a longo prazo necessário.

• Laxantes secretórios
o Como o recentemente aprovado linaclotida


Para o tratamento da discinesia do pavimento pélvico há outros tipos de tratamentos mais específicos como o biofeedback e a neuro-estimulação sagrada.

Resumindo…

• A obstipação é um sintoma/doença muito frequente
• É mais frequente nas mulheres e nas pessoas de idade avançada
• Há vários tipos de obstipação, mas a maioria reverte com medidas simples
• A base do tratamento é ingestão adequada de água e fibras e a realização de exercício físico regular.
• Há múltiplos medicamentos utilizados no tratamento da obstipação, mas a maioria das pessoas utiliza-os indiscriminadamente e sem conhecimento dos benefícios e dos eventuais efeitos laterais.

Pode descobrir mais sobre este tema na minha participação no programa televisivo da RTP Bom Dia Portugal aqui.


Pode também ver um artigo no qual colaborei para a revista online MAGG sobre esta tema aqui.